domingo, 6 de março de 2011

TRADIÇÕES LENDÁRIAS DE LAGES/SC

A Santa Cruz
Chamava-se antigamente alto da Santa Cruz, rua da Santa Cruz, nasceu independente dos planos da cidade, foi o centro de romaria.
Em 1920 chamava-se Praça da República, hoje chama-se Praça Siqueira Campos. Situada no alto de uma colina como pode ser vista, a Igreja da Santa Cruz tem suas próprias histórias, pelas origens que fazem parte do folclore local.
Neste local, tropeiros e viajantes faziam ao redor do fogo de chão no acampamento, suas reuniões, lazer, descanso, troca de informações, causos, prosas e as vezes um dedilhar de viola, violão ou gaita de ponto.
Na oportunidade, a rapaziada da Vila iam até o local da pastagem e roubavam dos animais madrinheiros os cincerros, ou então, colocavam palhas de milho dentro dos mesmos, esta era uma forma de brincadeira para com os tropeiros e que o lageano ganhou a alcunha de ladrão de cincerro.

A Lenda da Santa Cruz
Tudo começou quando um certo peregrino, chamado João Maria Agostinho resolveu dentre suas caminhadas pelas cidades catarinense, alojar-se em Lages para ali fazer suas profecias.
Seu jeito era simples: maltrapilho, barba grande, um lenço amarrado na cabeça e um pedaço de madeira a sustentar seu corpo devido a sua idade.
Ao chegar, logo tratou de procurar um lugar para se instalar. Como em outras cidades que passava, procurava um riozinho para ficar à margem. Encontrando então, ao lado oeste da cidade, um lugar apropriado para o seu pernoite, junto ao Morro da Santa Cruz.
Como de costume por onde passava, ali deixava dois pedaços de pau cruzados, uma cruz de madeira fincada ao chão. Sempre fazendo suas profecias, tendo uma multidão de crédulos seguidores.
Certo dia, João Maria partiu, deixando marcas de sua presença. E foi com essas marcas e a falta de conhecimento do povo da Serra que começaram a surgir fatos estranhos que a comunidade dizia perceber.
Diziam então, que a cruz deixada por ele crescia com o tempo, e promessas surgiam e com elas realizadas, seus pagadores as cumpriam.
Decidiram então construir uma capela sobre a tal cruz, até que ela não mais suportava, resolveram então tirá-la dali e levá-la para a Catedral.
No dia em que a tiraram, a cidade escureceu e não mais a cruz cresceu, deixando todos tristes por pensarem que esta não era mais santa.
De tanta insistência do povo, a cruz retornou ao seu local de origem, mas mesmo assim, não devolveu aos seus fiéis o processo de gigantismo de antes, porém a natureza voltou a sorrir, florindo e enfeitando a cidade.

A História dos Irmãos Canozzi
Um jovem caixeiro viajante, italiano, simpático, atraente de 19 anos, chamava-se Ernesto Canozzi. Acompanhado por Olinto Pinto, também jovem e contratado como ajudante, eram conhecidos como irmãos Canozzi, mas na verdade não eram irmãos consanguíneos.
Ernesto tinha uma empresa em Porto Alegre que se chamava Santos & Almeida.
Quando vinha à Lages, hospedava-se na casa de Thomaz e Domingos Brocatto.
Imigrantes italianos que estavam residindo em Lages por um tempo.
A profissão de caixeiro viajante naquela época, não era fácil, precisava de muita
corajem pois os riscos eram enormes, as caminhadas longas e perigosas, as estradas abertas a facão e cavadas a passo de mula.
Tomaz o mais velho, fugira da Sicília por ter matado um delegado que se opusera do namoro com sua sobrinha, deixou o irmão que também matou um policial quando jovem, depois se encontrarem na Argentina. Lá envolveram-se no comércio de bebidas, sendo perseguidos pela polícia fugiram novamente se instalando em Caxias do Sul.
Tomaz, envolveu-se com uma moça chamada Etelvina Camori, roubou a moça e vieram para Lages. Aqui, montou um consultório médico, pois ele havia cursado até o terceiro ano de Medicina.
Dr. Tomaz com registro falsificado em Caxias, clinicava e operava. Domingos montou farmácia, assim ganharam a confiança do povo lageano. Eram ambiciosos, violentos e agressivos.
Domingos Brocatto ainda solteiro apaixonou-se uma jovem moça da família de Salustiano Ramos que se chamava Emília. Apesar de apaixonado, era tímido e não havia revelado seu amor.
E a história termina tragicamente...

Boi de Botas
Por razões históricas, os lageanos receberam a alcunha de "Boi de Botas". Durante a Guerra Farroupilha, uma das maiores epopéias da história do Brasil, forças rebeldes aqui proclamaram a República, que acabou tendo uma vida efêmera. O idealismo da luta farrapa que durou dez anos, e a valentia dos heróis anônimos, marcaram uma importante página na história de Lages.
Em 1839, aqui formaram um pelotão de Cavalaria, que seguiu serra a baixo, para o combate que objetivava a tomada de Laguna. Ao lado dos farrapos, lutaram Giuseppe e Anita Garibaldi. Em pleno combate, os canhões e carroções puxados por bois, atolaram na lama e foram retirados a força pela comitiva lageana, o que provocou o comentário do Comandante David Canabarro ao Coronel Serafim de Moura, que chefiava a expedição: "Seus soldados se portaram com tal bravura e força, como se fossem verdadeiros Bois de Botas".
Em vista do civismo e bravura que o originou, "Boi de Botas" é sinônimo de heroísmo, de que se orgulham todos/as os/as lageanos/as.
Ladrão de Cincerro
Sendo Lages, passagem e parada obrigatória de tropeiros e viajantes que levavam tropas de animais para Sorocaba - SP, onde eram vendidos numa feira, e tinham por costume acampar no local onde hoje existe a Igreja de Santa Cruz e a Cacimba.
Acampavam e soltavam os animais para pastarem. A rapaziada da Vila, muito brincalhões (característico do lageano até hoje), à noite roubavam os cincerros ou colocavam palha de milho dentro dos mesmos, evitando assim que o tropeiro escutasse o barulho.
Muitas vezes os tropeiros pela manhã ao tentar reunir a tropa para seguir viagem, não conseguiam localizar os animais, pois não escutavam o som dos cincerros. Enquanto a rapaziada lageana escondida, davam grossas gargalhadas, atrás das moitas. Assim levaram a alcunha de Ladrão de Cincerro.

A Lenda da Gralha Azul
Há muito tempo atrás, nos campos de Lages, levava-se uma vida tranquila e pacata. Só as festas, quermesses, casamentos ou pixuruns quebravam a sua monotonia.
Admiradores respeitosos de suas coisas, os serranos se surpreendiam vendo surgir onde menos se esperava, novos grupos de pinheiros, e por mais que o fizessem, não conseguiam explicação para o fato.
Conta-se que num certo tempo, esta gente serrana foi surpreendida por uma forte trovoada.
Em meio à correria e gritos, recolheram as criações e se abrigaram em suas casas junto ao fogo de chão.
Um dos moradores atreveu-se a olhar a tempestade, desrespeitando as crendices populares de que dizia ser perigoso olhar a tempestade. Ele viu uma cena jamais vista.
Ele conta que no meio da tempestade uma avezinha (a gralha-azul), estava tentando se abrigar da tempestade, e um dos pinheiros gigantesco estirou os seus braços e acolheu a pobre avezinha.
O morador foi correr para chamar o povo para ver, mas um clarão o surpreendeu e disse a ele que era para: ele contar a todos o que tinha visto e tomar por exemplo.
Maravilhado o morador passou a explicar às pessoas que era a gralha a responsável pelo aparecimento de tantos pinheiros.
Ela enterrava o pinhão para se alimentar no inverno, e esquecendo do lugar onde escondera, ela buscava outros, deixando na terra a semente de novos pinheiros. Fora portanto, um gesto de gratidão que o pinheiro se envergava para proteger a pobre avezinha.
A partir daquele dia, todos souberam o porquê dos pinheiros surgirem sem que alguém os plantassem.

A Lenda da Serpente do Tanque
Em um enorme lago situado na área central da cidade Correia Pinto, fundador de Lages, mandou construir um tanque, aproveitando 4 ou 5 fontes naturais que ali existiam, por volta de 1771, para que as mulheres pudessem lavar roupas sem serem molestadas por índios e animais ferozes. As lavadeiras ficavam debruçadas por sobre as tábuas a torcer as roupas dos senhores coronéis e suas famílias, por isso o lago ganhou o nome de “tanque”.
Nas segundas-feiras, no tanque, as lavadeiras debruçadas por sobre as tábuas, a torcer as roupas dos senhores coronéis e suas famílias, trabalhavam enquanto batiam aquele papo gostoso do dia-a-dia.
Em meio a estas conversas, as histórias iam sendo contadas e a lenda do tanque se repetia no palavreado simples das mulheres que ali lavavam suas roupas.
A história contada era de que uma mãe solteira, para encobrir o fruto de sua vergonha, jogara a criança naquele tanque onde estavam a labutar.
Estranhamente, a criança não morrera, mas se transformara numa cobra.
Contavam elas que a cabeça da cobra permanecera ali no tanque e a cauda se encontrava no rio Carahá, estendida em todo o seu percurso.
Nossa Senhora, a padroeira de Lages, ciente do hediondo crime praticado pela desnaturada mãe, prendia com os pés a cabeça da moderna hidra ao berço úmido da desgraça mítica, procurando assim evitar que a criança, transmutada em monstro, se revelasse ao mundo.
No dia em que a Santa abandonasse esse propósito, a cidade seria totalmente tomada pelas águas, escapando somente a enchente, à cacimba da Santa Cruz.
Diversas vezes notou-se verídica a previsão, pois, quando era tirada a imagem da Santa de seu altar, na Catedral, mesmo em procissões, começava a chover torrencialmente, parecendo que o mundo iria se desfazer em água.
Porém, bastava retomar a imagem da Santa ao seu altar, que, o sol voltava a brilhar, afastando-se assim a promessa do cumprimento do trágico cataclisma.
O relato das mulheres lavadeiras se espalhou por toda a cidade e o medo se apossou de todos/as, vindo assim a fazer com que as mulheres nunca comparecessem sozinhas ao tanque, sempre iam acompanhadas ou em grupos. Ninguém se atrevia a passar a noite naquele ermo, porque, ao lado do coaxar dos sapos, ouvia-se plangente e lúgubre, o grito de um ser perdido em angústia e desesperança.

A Lenda do Pinhão
Faz muito, muito tempo, quando nas matas viviam e nas coxilhas caçavam índios orgulhosos, tinha no resguardo das grandes pedras, a toca segura, um bravo guerreiro. Afastado da tribo, solitário e triste. Não queria nem pretendia fazer parte da fácil vida da aldeia, onde todos compartilhavam tudo, sem necessidades nem riscos. Ele caçava, pescava e a sua vida era de total independência e de permanente vigília. Nos duros meses de frio, quando a geada e a neve branqueavam os campos eram dias a fio esperando uma lebre ou um tímido tatu sair da toca profunda, debaixo das pedras.
E quando as chuvas se sucediam intermináveis e geladas, uma pequena fogueira lhe acompanhava durante semanas. Nada pedia, nada esperava. Mas um dia, quando a primavera irrompia numa agressiva miscelânea de cores, escutou sob seus pés um correr incerto. Oculto atrás das árvores viu uma jovem fugindo enquanto olhava seu perseguidor. Embora estivesse a mais de dois tiros de flecha. O guerreiro pensou que nunca tinha visto ser mais lindo e flexível que aquela índia nua, de longos cabelos e torneadas pernas.
Rápido desceu a encosta para interceptar o perseguidor ainda não visto. Na sua mão, o machado; na sua alma, a coragem. Nem tempo teve de preparar a luta. Uma mancha com garras pulou sem perdão e o machado instintivo rachou a cabeça da onça assassina. Ofegante, a índia chegou-lhe tão perto que, sem palavras ou gestos, juraram amor eterno nos seus olhares escuros. E foi a tímida fogueira quem acalentou o amor, [...] foi a neve quem afofou os risos e foi a geada que os viu sonhando.
E um dia, quando as folhas caiam e o frio os faziam dormir abraçados, a índia queria, porque queria, um colar de ouro com que tinha sonhado. O bravo guerreiro, que nem sabia aonde procurar o enfeite sonhado, chegou no abrigo de um velho pajé, pedindo conselho, desejando um achado. O velho pajé, que era o Mal, sorriu ante a inocência do enamorado. Falou-lhe que encontrando uma pedra dourada e brilhante a enterrasse e esperando algum tempo, nasceria uma árvore com grandes colares de ouro e de prata, capazes de deixar a sua dona feliz para sempre, enamorada e grata. E foi uma procura de meses de frio enterrando pedras amarelas ou não, com a esperança que algumas delas tirasse a pedra do seu coração.
Até que um dia, cansado e vencido voltou a sua toca procurando o amor. O fogo apagado e o corpo sem vida nas peles revoltas fizeram ao índio entender a verdade. Quem procura a riqueza e esquece sua vida, um dia descobre que perdeu ambas. E o bravo guerreiro, novamente solitário, enlouqueceu de dor e saiu pelas matas plantando pedras e esperando colares.
Tupã, que tudo via, apiedando-se de tanto amor e esperança, converteu o guerreiro numa ave bonita, que suas plumas refletiam o céu do mais lindo dia e da noite; que plantando pedras amarelas semeava árvores altivas, com ramos espinhentos e curvos como colares.
Com o tempo começaram a surgir pinhas que explodiam em sementes douradas e que as aves cor do céu colhiam e plantavam em um eterno juramento de amor e esperança
(Fernando Cannella Pedemonte)